quarta-feira, 7 de junho de 2023

O veado Sol

        O dia estava a começar e o sol tentava furar as nuvens que, teimosas não queriam desaparecer.
Na rua Canelada, morava Gonçalo de 12 anos que, adorava mexer nos seus caracóis louros.  
Naquela manhã, depois de tomar o pequeno-almoço, Gonçalo saiu para a rua. Lá, viu o carteiro Benjamim que sorridente, distribuía a correspondência.
- Bom dia, Gonçalo.
- Bom dia, senhor Benjamim.
- Hoje não vais à escola?
- Não. Os professores têm reunião e não dão aulas.
- Isso é que é sorte. Também gostava que as cartas me dessem uma folga de vez em quando.
- Havia de ser engraçado.
- Mais que engraçado. Era espetacular. Mas, elas não fazem isso e, lá tenho eu que as ir entregar.
- Então continue. Não quero que elas se chateiem.
- E eu também não quero isso. Então, vá. Adeus.
Continuando a andar, Gonçalo passou em frente do café Chilique e, viu que os seus amigos Rodrigo e Liliana lá estavam. Esperou por eles e, minutos depois, os amigos saíram e viram-no.
- Bom dia.
- Bom dia.
-Querem ir dar uma volta aqui pela aldeia?
- Sim. E aproveitamos e podemos ir ao bosque até ao tronco oco ver se o mocho ainda lá mora.
- Boa ideia.
- Vamos lá então.
Começaram a andar e algum tempo depois chegaram ao tronco oco mas, o mocho não estava lá. Então, olharam para vários sítios mas, não encontraram sinais dele.
Segundos depois, ouviram:
“Oohn, roon”
Sem reconhecerem aquele som de nenhum animal, os amigos ficaram quietos e calados. 
Pouco depois, o som repetiu-se:
“Oohn, roon”
- O que estará a fazer este barulho?
- Não faço ideia.
- Nem eu.
- Vamos seguir o som e ver o que é.
- Estás doido!? E se for algum animal perigoso?
- Aqui no bosque o mais perigoso que podemos encontrar devem ser as doninhas. Mas, duvido que elas estejam por aqui.
- Então vá. Vamos.
Andaram um pouco e, ouviram novamente:
“ Oohn, roon”
- Já devemos estar perto.
- Tens razão. Ouviu-se melhor o barulho.
- Vamos continuar mas, calados.
Em silêncio, os amigos andaram mais uns metros e, viram uns arbustos mexer.
- Parem! O animal deve estar atrás destes arbustos.
- Vamos devagarinho.
Ao chegarem ao arbusto, viram um pequeno veado deitado com uma grande ferida numa das patas dianteiras.
- Coitado.
- Eu vou lá.
- Eu também.
- E eu.
Aos poucos, aproximaram-se ainda mais dele e, viram então que, para além da ferida na pata, também havia outra na orelha esquerda.
“Oohn, roon”
“Oohn, roon”
-Temos que o ajudar. Ele parece estar cheio de dores.
- Mas, como!?
- Podemos levá-lo para o armazém do Chico madeireiro e tratar-lhe das feridas.
- Sim. Tenho a certeza de que ele não se vai importar.
- Então, vá.
- Mas, como levamos o veado?
- Eu vou buscar o carro de mão que tenho em casa.
- Ok.
Rodrigo afastou-se a correr e, enquanto esperavam, os amigos olharam melhor para as feridas do veado.
- A ferida da pata está com muitas ervas.
- Vamos tentar tirá-las.
Com muito cuidado, Liliana e Gonçalo tentaram tirar as ervas da ferida mas, o veado começou a bramar e a tentar fugir.
- Calma. Só te queremos ajudar.
Depois de várias tentativas falhadas, os amigos conseguiram tirar as ervas maiores e mais superficiais.
Pouco depois, Rodrigo regressou e, para além do carro de mão, trazia também algumas frutas e um bocado de tecido.
- Vamos começar. Temos que ter muito cuidado para não o aleijarmos.
  Então, estenderam o tecido no carro de mão e, devagarinho pegaram no veado. Também lentamente, mudaram-no para o carro de mão e, embrulharam-no no tecido.
- Agora, vamos com cuidado para evitar ao solavancos.
Ao longo do caminho, o veado queixou-se algumas vezes mas, os amigos tentavam ter o máximo de cuidado.
Já perto do armazém do amigo, Gonçalo viu que a porta estava aberta. Chegados à entrada, olharam para vários sítios à procura do amigo Chico mas, não o viram.
- Ele tem que estar perto. O armazém está aberto e por isso, ele não deve estar longe.
Segundos depois, ouviram um barulho parecido com o de um trovão e, viram uma nuvem de pó.
- Olá rapaziada. O que andam a fazer?
- Viemos aqui para te perguntar se podemos usar o teu armazém para tratar deste veado.
- Claro que podem. Mas, o que aconteceu?
- Quando o encontrámos no bosque ele já estava assim.
- Deve ter sido outro animal que lhe fez isso.
- Pois deve.
- Mas, vamos lá deixar de conversa fiada e, tratar-lhe das feridas.
Chico foi buscar o estojo de primeiros socorros, começando por desinfetar as feridas e fazendo os curativos. Terminado o trabalho, Liliana abraçou o veado que, aos poucos se levantou e deu uns passos pequeninos.
- Que bom! Daqui a uns dias já vai andar sem problemas.
- Pois vai.
- E agora!? Para onde o vão levar?
- Não sabemos.
- Têm que o levar para um sitio calmo. Nestes primeiros dias, ele não deve andar muito para as feridas cicatrizarem.
- Já sei. Podemos levá-lo para o telheiro da minha avó Hortênsia. Há lá sempre palha e, podemos arranjar-lhe uma cama.
- Parece-me bem. Vão lá levar-lhe comida e, de certeza que ele fica bom depressa.
- Obrigado, Chico.
- Não fui obrigado a nada.
- Adeus.
- Adeus.
- Será que a tua avó não se importa de lá deixarmos o veado?
- Se eu lhe pedir, tenho a certeza que não.
Começaram a andar e, ao chegarem à casa da avó Hortênsia, a Liliana foi falar com a avó.
- Olá avó.
- Olá Liliana.
- Avó, eu e o Rodrigo encontrámos um veado ferido e, fomos ao armazém do Chico fazer-lhe uns curativos. Mas, ele disse que o veado precisa num sitio calmo e sossegado. Então, lembrei-me do teu telheiro. Podemos levá-lo para lá?
- Podem. Vão andando que eu já lá vou ter.
- Obrigado, avó.
- Vão lá.
No telheiro, os amigos começaram a escolher o sitio onde deixariam o veado e, pouco depois, Hortênsia chegou e trazia um cobertor.
- Têm isto aqui para aconchegar o veado.
- Obrigado, avó.
Depois de prepararem tudo, deitaram o veado, cobriram-no e deixaram-no quieto e sossegado.
Os dias foram passando e sempre que podiam, Liliana e Gonçalo iam visitar o veado.
Numa tarde em que viram o veado a levantar-se sozinho, abraçaram-no felizes.
- Temos que lhe dar um nome.
- Pois é.
- Já sei!
- Então!?
- O que achas de Sol?
- É lindo.
- Então, é o Sol.
- Adoro.
Nos dias que se seguiram, os amigos continuaram a ir sempre visitar Sol e, uma tarde, viram-no a andar e a pular sem dificuldades.
- O Sol já está bom.
- Pois está.
- E agora!?
- Agora temos que o deixar ir.
- Vou ter muitas saudades.
- Eu também. Mas, ele não pode ficar aqui preso.
- Tens razão.
- Amanhã, vamos levá-lo ao bosque e, deixá-lo ir procurar a família.
- Sim. Eles devem estar com muitas saudades.
- Pois é.
- Então, vou tirar-lhe umas fotografias com o telemóvel para ficarem de recordação.
- Exato.
Depois das fotografias, os amigos foram para as suas casas.
No dia seguinte, Gonçalo e Liliana encontraram-se no alpendre e viram Sol deitado.
- Bom dia, Sol.
- O que será que ele tem?
- Deve ter percebido que tem que ir embora.
- Mas, ele pode continuar a ser nosso amigo.
- Pois pode. Mas, ele está triste mesmo assim.
- As despedidas são sempre difíceis.
- Então, o melhor é despacharmos-nos senão, ainda começo a chorar.
- Vamos lá então.
Então, levaram Sol até à entrada do bosque e soltaram-no. Ele, afastou-se a correr e a saltar e, com lágrimas nos olhos, os amigos acenaram-lhe adeus.
Enquanto se afastavam, os amigos encontraram Benjamim.
- O que se passa, rapaziada?
Liliana contou tudo o que tinha acontecido desde que encontraram Sol e, o carteiro ouviu atentamente.
- Não fiquem assim. Pode ser que o voltem a ver.
- Duvido.
- E eu também.
De regresso às suas casas, os amigos só conseguiam pensar em Sol.
No dia seguinte, Rodrigo foi à fonte da aldeia e, viu algumas ervas abanarem. Olhou melhor e, foi surpreendido por Sol que, encostou logo o focinho ao amigo.
Feliz, Rodrigo abraçou-o e, telefonou aos amigos, a marcar um encontro no Chilique.
Sem imaginarem qual seria a razão para o encontro, os amigos foram até lá. Ao chegarem, viram Sol e abraçaram-no felizes.
A partir desse dia, Sol ia diariamente visitar os amigos e, levava-os a locais muito bonitos no bosque.